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Março/2025

Desafios Climáticos:
impactos do aquecimento global na infância

Colunista: Tabita Aija Silva Moreira

Desafios Climáticos: 
impactos do aquecimento global na infância

       A cada ano, os termômetros registram níveis de temperatura mais altos, prenunciando que estamos vivendo o ano mais frio até o momento, visto que a tendência é de que as temperaturas aumentem a cada ano. Essa tendência não se restringe a números estatísticos. Ela está presente no nosso dia a dia e afeta diretamente a maneira como vivemos. Dados da Unicef (2022) projetam que praticamente todas as crianças do planeta – ou seja, mais de 2 bilhões de pessoas – estarão expostas a uma frequência excepcionalmente alta de ondas de calor até o ano de 2050. Para se ter uma ideia da gravidade em 2020, apenas 24% das crianças viviam sob o risco de enfrentar ondas intensas de calor. 

    Convém destacar que o aquecimento representa não só um desafio ambiental, mas também um abismo crescente na saúde pública e na equidade socioeconômica, nas quais os mais frágeis – especialmente as crianças serão duramente impactadas. Acrescenta-se que esse fenômeno não se distribui de maneira homogênea em escala global. Em vários países do continente africano, por exemplo, as temperaturas extremas apresentam uma frequência cada vez maior, apesar do continente representar menos de 4% das emissões globais. Além do aumento na frequência e intensidade das ondas de calor, esses países também estão maiormente vulneráveis a temporadas de seca mais prolongadas e consecutivas, que minam a disponibilidade de água e alimentos. Esse é só um exemplo de como a crise climática é marcada por desigualdades, quando os menos responsáveis por contribuir para a crise climática são os que mais sofrem suas consequências.

    No Brasil, a região Centro-Oeste do Brasil, em agosto de 2021, foram registradas temperaturas extremamente altas por vários dias. Por exemplo, no estado de Mato Grosso, as temperaturas máximas atingiram 41 ° C, cerca de 7 ° C acima do normal, contribuindo para 184.000 incêndios florestais, 75.000 dos quais ocorreram na Amazônia brasileira (Unicef, 2022). Por sua vez, o verão de 2025 foi o sexto mais quente no Brasil desde 1961, com uma temperatura 0,34°C acima da média histórica do período de 1991 a 2020. Para se ter um exemplo do impacto, nesse período, o estado do Rio Grande do Sul sofreu três ondas de calor consecutivas.

      A intensificação das ondas de calor tem arrefecido as desigualdades socioeconômicas, afetando principalmente mulheres, idosos, e pessoas de menor nível educacional (Monteiro dos Santos et al, 2024). No que tange as mulheres e meninas, o que se observa é que esse cenário deve agravar desigualdades preexistentes nos próximos anos. Podendo empurrar até 2050 mais 158 milhões de mulheres e meninas para a pobreza, além de se esperar que 236 milhões sofram com insegurança alimentar (ONU Mulheres, 2023). O infográfico organizado pelo Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás2 destaca ainda que:

  • No setor de agricultura, as mulheres e meninas podem experimentar sobrecarga de trabalho associada a maiores distâncias para obter água ou ainda trabalhar sob temperaturas mais elevadas (UNFCCC, 2022).

  • As disparidades de acesso à educação criam entraves para a adaptação das mulheres aos efeitos do aquecimento global (ONU Mulheres, 2023);

  • Durante a ocorrência de desastres naturais, mulheres e meninas têm maiores probabilidades de serem feridas e de não sobreviver (UNDRR, 2022).

  • As temperaturas extremas aumentam a incidência de natimortos, e as mudanças climáticas favorecem a disseminação de doenças que estão associadas a piores resultados maternos e neonatais (UNFCCC, 2022).

      No caso brasileiro, em específico, cuidar das mulheres nesse processo é fundamental, considerando o crescente número de famílias chefiadas por esse grupo no país. A esses dados, acrescenta-se as crianças são mais vulneráveis aos impactos do calor extremo e dos eventos de ondas de calor do que os adultos, por ainda não terem a capacidade de regular a temperatura corporal totalmente desenvolvida. Além disso, elas tendem a passar mais tempo ao ar livre do que os adultos para brincar, praticar esportes e outras atividades, o que as coloca em maior risco de lesões por calor. A Unicef (2022), chama, ainda, a atenção para os seguintes impactos no desenvolvimento infantil:

  • As temperaturas altas estão relacionadas a aumentos nos problemas de saúde mental em crianças e adolescentes, incluindo transtorno de estresse pós-traumático e depressão;

  • O aumento na frequência de eventos de seca, pode causar falhas nas colheitas e insegurança alimentar, com impactos severos na nutrição infantil, particularmente em comunidades que dependem da agricultura, afetando tanto a saúde física quanto o desenvolvimento emocional e intelectual.

  • Há evidências de que a exposição prolongada a essas condições extremas pode ter contribuído para o aumento de partos prematuros, colocando os recém-nascidos em situação de risco.

  • As temperaturas excessivas, esses pequenos podem até sofrer danos aos órgãos – como os rins – devido à menor eficiência na transpiração e na dissipação do calor.

     Além disso, sabe-se que temperaturas do ar elevadas e menor hidratação afetam a capacidade de concentração das crianças, de modo que podem impactar num desempenho escolar mais baixo e menor frequência escolar. Afetando, principalmente, aquelas que se encontram em famílias de baixa renda, devido à falta de acesso amplo a infraestrutura de mitigação, como sistemas de resfriamento, abrigo sombreado e ventilado, água potável para hidratação e assistência médica para tratamento.

    Nota-se, portanto, que as transformações no panorama climático não são apenas um número em estatísticas, mas um prenúncio de maiores desafios no campo da saúde, segurança, nutrição e educação das futuras gerações. Assim, há que se considerar a urgência na priorização das crianças em políticas de adaptação e mitigação à crise climática, com alocação de recursos financeiros para tal. De modo a proteger sua saúde e bem-estar por meio de subsídios para a adaptação de serviços críticos, como saúde, água e saneamento e educação, para resistir a ondas de calor e outros choques climáticos e ambientais.

A realidade aponta que já não é mais possível, negar os impactos das mudanças climáticas à longo prazo, mesmo diante de ações de enfrentamento e responsabilidade climática. Tornando, fundamental, preparar as crianças para viver em um mundo com clima alterado, fornecendo-lhes a educação, as habilidades e as oportunidades para participar significativamente na formulação de políticas climáticas. 

       Proteger e preparar as crianças exige priorizar as crianças no financiamento climático e na alocação de recursos.  A 30ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP30), a ser realizada em Belém (PA), em novembro de 2025, é uma oportunidade para os países fortalecerem o foco na atenção aos impactos das mudanças climáticas no desenvolvimento infantil, em especial das crianças em maior vulnerabilidade social e econômica. Ademais, é necessário fortalecer o acesso à educação e conscientização climática, com o fim de garantir que as futuras gerações estejam equipadas para enfrentar os desafios ambientais. Incluindo aquelas relativas ao desenvolvimento de habilidades para participar significativamente e influenciar a tomada de decisões sobre políticas climáticas em seus territórios e numa perspectiva global.

        Por fim, destaca-se a necessidade de que as ações vinculadas a questões climáticas sejam pautadas com base na perspectiva da justiça climática. Ou seja, que considerem a interseccionalidade entre essa pauta e as desigualdades sociais e econômicas presentes nos territórios (a saber, países e suas comunidades específicas) e que, inegavelmente já são exacerbadas pelo aquecimento global.


REFERÊNCIAS


ONU Mulheres. Justiça climática feminista: um marco para ação. UN Women Headquarters Office, 2023. Disponível em: https://www.unwomen.org/en/digital-library/publications/2023/11/feminist-climate-justice-a-framework-for-action. Acesso em: 01 abr. 2025.

UNDRR.  Policy brief: Gender-responsive disaster risk reduction. UNDRR, 2022. Disponível em: https://www.undrr.org/sites/default/files/2022-03/Policy%20brief_Gender-responsive%20disaster%20risk%20reduction.pdf?startDownload=true. Acesso em: 01 abr. 2025.

UNFCCC. Secretariat. Dimensions and examples of the gender-differentiated impacts of climate change, the role of women as agents of change and opportunities for women. Synthesis report. FCCC/SBI/2022/7. Bonn Climate Change Conference, junho 2022. Disponível em: https://unfccc.int/documents/494455. Acesso em: 31 mar. 2025.

UNICEF. The coldest year: heatwaves and children. UNICEF, 2024. Disponível em: https://www.unicef.org/media/129506/file/UNICEF-coldest-year-heatwaves-and-children-en.pdf. Acesso em: 01 abr. 2025.

OBIJUV - Laboratório de Psicologia - UFRN campus Natal - RN

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