top of page

Junho/2025

Infâncias violadas: Gaza e o ódio israelense contra as crianças palestinas

Colunista: Carmem Cavalcante - Psicóloga, Doutora em Psicologia

Infâncias violadas: Gaza e o ódio israelense contra as crianças palestinas

Há décadas, o sistema sionista israelense aterroriza o território palestino com diversas intentonas cujos objetivos são a eliminação desta população. Não importando quem está no caminho, Israel, representado por seus soldados, elimina qualquer ser vivente que se coloque à sua frente e de seus soldados. Qualquer um transforma-se em puro receptáculo das sucessivas violências de Israel, devendo ser banido dos territórios, talvez da comunidade humana.


Entre os meses de março e junho de 2025, 57 crianças morreram de fome, na Faixa de Gaza. E há uma estimativa de que 71 mil crianças com menos de cinco anos sofrerão desnutrição aguda nos próximos 11 meses. Até o final do mês de maio, somaram-se 80 dias sem comida e sem medicamentos na região mais afetada de um massacre que segue sendo televisionado, tendo o mundo como testemunha. Embora Israel tenha recuado ao cerco e permitido a entrada de caminhões com ajuda humanitária, estes não chegaram à região mais atingida do enclave porque estão sendo saqueados por pessoas famintas, antes que a Organização das Nações Unidas possa fazer as entregas de forma sistemática.


Em entrevista do dia 26 de maio, Hanan Balkhy, diretora da Organização Mundial da Saúde (OMS) para a Região do Mediterrâneo Oriental, revelou que 43% dos medicamentos essenciais “estão com estoque zero”. Em 24 de maio, deste ano, O Globo publicou matéria informando ataque israelense contra a casa de uma médica, matando nove, dos seus dez filhos, todos crianças. Outra matéria, publicada na CNN, em 26 de maio, chama a atenção para um ataque de Israel a uma escola, com 27 mortes, maioria crianças e mulheres. Os números são estarrecedores, quando se trata de crianças. Mais de 18 mil crianças palestinas foram mortas em ataques israelenses na Faixa de Gaza desde 7 de outubro de 2023. Foram quase 200, na ofensiva do mês de março, quando Israel rompeu uma trégua de quase dois meses.


A posição do governo de Israel em relação às crianças palestinas é complexa e multifacetada. O governo israelense enfatiza sua necessidade de autodefesa e segurança, citando ataques de grupos militantes palestinos, porém os alvos, frequentemente, são contra civis, atingindo escolas, hospitais e zonas de refugiados, adensando o conflito e as vulnerabilidades da população, incluindo crianças e mulheres.


Quem opera o dispositivo sionista não distingue as fases da vida quando identifica quaisquer palestinos; marcadores das diferenças geracionais são ignorados. Palestinos são somente “receptáculos globais” de uma violência que nasceu junto com eles, por causa deles. Deste modo, são tristes, porém sinceras, as palavras de Berenice Bento quando ela afirma que “matar uma criança palestina é antecipar o trabalho que seria feito mais adiante. O adulto já está pronto na criança. Eis aí a noção de espécie, de biologização do ser, de racismo sendo operacionalizado por um exército high tech. Atacar uma criança é, antes de tudo, uma armadilha para pegar um adulto”.


Os óbitos assustam, mas as crianças que “restam” em território palestino assustam em igual condição de desumanidade. As que não vieram a óbito nos atentados, sofrem em hospitais cujos acessos a cuidados médicos são limitados devido aos bloqueios determinados pelo Estado israelense; as escolas passam a ser alvos de uma política sionista, cujo interesse é exterminar os palestinos, de modo que todas as pessoas, inclusive civis, estão na mira dos mísseis e tanques de guerra. As crianças passam a conviver com a violência da guerra, de modo que têm suas vidas forjadas pelas disputas territoriais entre os dois países.


Dadas as condições históricas, sabemos que a disputa é complexa, envolvendo, desde o direito à terra, permeado por políticas de autodeterminação e segurança, mas sempre com vistas ao domínio e controle de recursos. Ao se declarar um Estado-nação-judeu, Israel impõe um prerrogativa religiosa a sua existência de modo que subjuga a ocupação de outros países de seu entorno sob a justificativa de defesa do seu território. O sionismo não pode ser a justificativa para um massacre tão estarrecedor como foi o holocausto. A repetição histórica de tamanho extermínio é o declínio mais concreto da humanidade. E desrespeitar as normativas internacionais de defesa dos direitos humanos instituídas no pós segunda guerra só reforça a necessidade de atenção para os interesses políticos de países que financiam o Estado israelense, cujos objetivos, de fato, ultrapassam a determinação territorial reivindicada por este país.


Crianças, ao sofrerem com a instabilidade e com a violência visceral da guerra, desenvolvem traumas psicológicos fecundos. A desigualdade de direitos, refletida no pouco ou nenhum acesso à alimentação, aliada à mentira institucionalizada, com a qual elas convivem; e à violência, que passou de repressiva para majoritariamente bélica, contribuem para a produção do trauma psicossocial. Martín-Baró disserta sobre estes fatores, defendendo que a precarização da vida produzida a partir deste viés resulta em graves problemas de identidade, somatização e na militarização da mente. Mais do que o processo de adoecimento mental, o que existe, hoje, na Faixa de Gaza, é um processo contínuo de eliminação, através de uma tentativa racista de aniquilar vidas em suas auroras.


O exército de Israel prende e tortura adolescentes pela alegação de “atirarem pedras”. A militarização domina não só os corpos, mas essencialmente os pensamentos de quem se forja em condições de tal adversidade. Em matéria publicada em 2020, Bento apresenta uma cena, e discute, a partir dela: “uma criança palestina, acusada de portar uma faca para ferir os/as soldados/as, foi executada por soldados/as israelenses. As munições certamente foram todas descarregadas naquele corpo, agora fragmentado”. O que seria esta cena, senão a concretude da militarização das mentes infantis que tentam ser uma resistência frouxa diante de um exército bélico?

As crianças e adolescentes que não vão ao óbito do corpo, têm seus futuros aniquilados pela vivência da guerra, da violência, do ódio, da perda da esperança. E vida sem esperança é pulsão de morte, é a deterioração de sentimentos e de afetos nunca mais sentidos, é a completa infestação de que “meu inimigo mora ali, eu preciso exterminá-lo”.

Não se trata de qual perspectiva está correta, não se trata de que lado estamos. Trata-se de vidas inocentes que nasceram com o propósito de viver, mas, ao nascerem com a inscrição e o sangue palestino, vêm ao mundo condenadas a não exisitir, porque o Estado israelense decidiu assim. E, num mundo com 8 bilhões de pessoas, até o momento, não houve ninguém capaz de intervir e interromper a carnificina que segue televisionada.


Possivelmente, a maior causa de mortalidade infantil no mundo, em 2025, será Israel. Não há reparação possível diante da desordem instaurada. Falhamos, enquanto humanidade, quando não protegemos. Nosso comprometimento ético com a vida nunca foi tão ultrajado. O horror da guerra jamais deveria se aproximar das crianças.

OBIJUV - Laboratório de Psicologia - UFRN campus Natal - RN

bottom of page